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Hidatidose, uma doença silenciosa

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Everson com parte de seu rebanho
Everson com parte de seu rebanho. Foto: Fernando Dias/Seapi
Por Darlene Silveira

Capitu, Negrão, Tibleco e Maia são cachorros que vivem na propriedade de Everson Brandolt de Morais, na região de Parové, distrito de Passo Novo, em Alegrete. De três em três meses eles recebem vermífugos de forma gratuita para controlar uma possível infecção pelo parasito Echinococcus granulosus, responsável por transmitir a doença hidatidose, que pode ocorrer em ovinos, bovinos e até humanos. Por isso a importância de diminuir sua incidência no Rio Grande do Sul. É o que se propõe o projeto “Sanidade e educação em saúde única na ovinocultura no município de Alegrete”, instituído em 2023 a partir de um termo de cooperação entre o Estado, por meio da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), e o município, localizado na região da Fronteira Oeste.

O projeto, com duração de dois anos e meio, tem parceiros como a Unipampa de Uruguaiana, o Centro Universitário da Região da Campanha (Urcamp), a Emater/RS-Ascar, as Secretarias da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do município de Alegrete, entre outros. Ele oferece ações educativas para que seja evitada a transmissão do parasito. “Essa é a região do Estado na qual existe um contato maior entre ovinos, cães e seres humanos”, afirma a médica veterinária e pesquisadora do Centro Estadual de Diagnóstico e Pesquisa em Saúde Animal Desidério Finamor (IPVDF) da Seapi, Rovaina Doyle.

Ela explica que o projeto é desenvolvido em 11 propriedades e grupos de produtores em diferentes localidades do município de Alegrete, onde equipes de Uruguaiana da Supervisão Regional Alegrete da Seapi, da Unipampa e da Emater/RS-Ascar têm participado efetivamente nas visitas.

A função de Rovaina no projeto é divulgar a doença por meio de materiais didáticos impressos para serem usados nas visitas dos servidores da Seapi, da Unipampa e de outras instituições. “Estão sendo elaborados folders para os produtores atendidos e cartilhas para as crianças, para que todos evitem ao máximo essa doença”.

capitu recebendo vermífugo
Capitu recebendo vermífugo. Foto: Fernando Dias/Seapi

Pela Unipampa de Uruguaiana, o responsável por tocar o projeto é o médico veterinário e professor Tiago Gallina, junto à Inspetoria Veterinária local. Ele explica que o estudo busca identificar dados de abatedouros que indiquem que os animais abatidos na inspeção da Seapi tenham hidatidose. Segundo ele, a pesquisa foi baseada no diagnóstico das propriedades que necessitavam da intervenção.

O projeto iniciou com reuniões comunitárias nas localidades com maior índice de infestação nos rebanhos. Depois, foram feitas visitas nas 11 propriedades escolhidas para a aplicação periódica de vermífugos aos cães e esclarecimentos sobre a doença e sua gravidade. “Indicamos os procedimentos de prevenção e tratamento dos cachorros. Até mesmo da possível ajuda médica”, conta Gallina. “Mas a educação sanitária sobre o destino das vísceras (cozimento) e de lavar as mãos é fundamental”.

Gallina cita que nos humanos os cistos geralmente aparecem no fígado e no pulmão e, às vezes, no cérebro. O cisto vai crescendo lentamente até comprometer o órgão. “Ele cresce de um a três centímetros por ano. Por exemplo, se a criança se infecta aos 10 anos, quando tiver 18 anos tem um cisto do tamanho de uma bola de tênis”, compara o professor.

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Professor Gallina em seu laboratório na Unipampa de Uruguaiana. Foto: Fernando Dias/Seapi

Ele explica que a doença existe há pelo menos 100 anos, mas o primeiro registro é da década de 1920. “Hoje temos em Alegrete 61 propriedades cadastradas no sistema de inspeção estadual que mostraram positividade para a doença”, relata Gallina. “Várias regiões do Rio Grande do Sul têm índices alarmantes de contaminação por mais de cinco décadas, ou seja, nós temos mais de 20% das ovelhas adultas com contaminação do fígado e do pulmão, enquanto países vizinhos com outras medidas sanitárias parecidas com essa têm menos de 1%”. Por isso, no final do projeto, será gerado um relatório. “Nossa meta é que esse trabalho seja extrapolado para todo o Rio Grande do Sul”, espera Gallina.

A gestora do projeto é a engenheira agrônoma Sabrina Vaz, lotada na Supervisão Regional de Alegrete da Seapi e que faz assessoria técnica para o Fundo de Desenvolvimento da Ovinocultura do Estado (Fundovinos). Ela conta que a ideia inicial surgiu em discussões na Câmara Setorial da Ovinocultura da Seapi, quando foi falado sobre a importância da certificação da carne ovina por meio de um selo para cordeiros. “O fiscal responsável pelo Serviço de Inspeção Municipal de Alegrete ressaltou a importância da questão sanitária. Então, convidamos a coordenadora do Programa Estadual de Sanidade Ovina (Proeso) da Seapi, Nathalia Bidone, para fazer parte do projeto, além do professor Gallina e outros. Formatou-se, junto com as entidades parceiras, um projeto-piloto do Proeso em Alegrete. O objetivo é estender para outros municípios”, prevê Sabrina.

De acordo com a engenheira agrônoma, foram escolhidas 11 propriedades que tinham mais de 10% de casos de hidatidose. “Uma das nossas ações é fazer uma caminhada na propriedade para ver os possíveis focos de contaminação”, relata Sabrina. “É realizada a coleta da amostra da água pelo Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua), do Ministério da Saúde, e verificada a sua potabilidade pelo Laboratório Central do RS (Lacen) Alegrete”.

Caso de sucesso

O produtor Everson Brandolt de Morais cria, em cerca de 240 hectares, 200 cordeiros e ovelhas, que têm de seis meses a quatro anos, da raça Merino Australiano, além de 500 bovinos. “Já faço isso há 30 anos, era um negócio do pai. Crio para consumo próprio, mas também vendo para frigoríficos de Guaíba, na grande Porto Alegre.”

Ele sempre ouvia falar na doença, mas não dava muita importância, até que os servidores da inspetoria o visitaram e disseram que estava dando muito na região a doença hidatidose. “Desde então, há cerca de dois anos, começaram a dar vermífugo para os meus quatro cachorros de três em três meses”.

Outra coisa que Morais fazia de forma inapropriada era dar as vísceras cruas dos ovinos abatidos para os cães. “Agora eu cozinho tudo. Tenho uma panela no galpão só pra isso”, diz orgulhoso. “Antes eu não dava bola, mas depois vi que era importante fazer isso. Agora é só assim. É bom que os filhos da gente também vão aprendendo”.

Infectado

Glaisson Lemes, que trabalha na lavoura de uma fazenda em Alegrete, começou a sentir sintomas em 2005, quando tinha 17 anos, uma dor muito forte. O diagnóstico foi hidatidose pulmonar. Tratou-se durante um ano, até fazer a cirurgia, em 2006 (que durou quatro horas), porque o cisto aumentou e ficou do tamanho de um ovo de galinha. Hoje tem 37 anos, é casado, tem duas filhas, leva uma vida normal, mas tem que tomar vermífugo a cada três meses. Mas a doença, se não tratada, pode levar à morte.

Sobre a hidatidose

O que é? Uma doença parasitária crônica, causada pela fase de larva do parasito Echinococcus granulosus, que é um verme do grupo das tênias e apresenta três fases de vida: adulto, ovo e larva (a maior). Na fase adulta ele vive no intestino dos cães.

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Carcaça de uma ovelha infectada com hidatidose. O Cisto, ou bolha d'água, é a parte branca. Foto: Divulgação/Unipampa

A hidatidose é mais comum região da Fronteira, onde existe o contato maior entre os principais elos dessa doença: seres humanos, cães e ovinos. Na fase adulta ela habita o intestino dos cachorros. No momento que defecam, contaminam a pastagem.

Na fase intermediária se forma uma bolha d’água (cisto hidático) em quem se infecta, que pode ser via água e pastagens ou hortaliças contaminadas pelos ovos das fezes dos cachorros. Ou às vezes até pela manipulação, pois os ovos do parasito podem ficar aderidos ao pelo do animal.

Principalmente as ovelhas têm essa fase intermediária, mas também pode acontecer em outros animais e nos seres humanos, que é o elo principal desse projeto. O grande risco que tem para o ser humano é se infectar com essa fase intermediária.

O cisto vai crescendo em torno de um a três centímetros por ano. Conforme vai ficando maior, começa a comprimir os órgãos e tem que ser retirado por meio de cirurgia. Dependendo da fase em que ele se encontra, o tratamento pode também ser feito com medicamento.

Mais sobre a contaminação: o cachorro infectado evacua no campo ou em locais acessíveis para outros animais e humanos, como hortas e mananciais de água. A ingestão da grama, das hortaliças, ou da água contaminadas com esses ovos permite a infecção. Até mesmo passar a mão em um cachorro com o pelo contaminado.

Quais os sintomas da doença? As pessoas podem não apresentar sintomas, pois a larva pode não ter crescido o suficiente e/ou não estar comprimindo alguma parte do corpo que provoque alterações. Normalmente os sintomas aparecem na vida adulta. Quando é no fígado, pode causar aumento de volume abdominal, desconforto epigástrico, náusea, obstrução do ducto biliar. Se for no pulmão, pode causar tosse com ou sem expectoração e dificuldade respiratória.

Como prevenir? Adotando hábitos de higiene e ter atitudes de guarda responsável com os cães, como evitando que tenham acesso a carcaça de animais mortos; não dando vísceras cruas para eles, só cozidas por, pelo menos, cinco minutos; evitando seu acesso a hortas, que devem ser cercadas; vermifugar regularmente os animais; entre outras.

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